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Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

A  18 de Abril de 1842 nasceu, em Ponta Delgada, Antero de Quental (morreu a 11 de Setembro de 1881).

Poeta e filósofo, Antero de Quental teve um importante papel na renovação da cultura e da literatura em Portugal na segunda metade do século XIX.

Destaca-se em 1865 na chamada Questão Coimbrã, ou Questão do Bom Senso e Bom Gosto, uma polémica literária que envolve a jovem geração de Coimbra contra Feliciano de Castilho e Pinheiro Chagas, representantes de uma literatura agarrada a preconceitos do passado. É este movimento literário a primeira manifestação da Geração de 70, que culminará nas Conferências do Casino Lisbonense.

Da sua vasta produção literária destaca-se a obra poética: Odes Modernas e Sonetos Completos..

 

 

O Palácio da Ventura

 

Sonho que sou um cavaleiro andante.

Por desertos, por sóis, por noite escura,

Paladino do amor, busca anelante

O palácio encantado da Ventura!

 

Mas já desmaio, exausto e vacilante,

Quebrada a espada já, rota a armadura...

E eis que súbito o avisto, fulgurante

Na sua pompa e aérea formusura!

 

Com grandes golpes bato à porta e brado:

Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...

Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!

 

Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...

Mas dentro encontro só, cheio de dor,

Silêncio e escuridão -- e nada mais!

 

 ...............................

                        

A um poeta

 

Tu, que dormes, espírito sereno,

Posto à sombra dos cedros seculares,

Como um levita à sombra dos altares,

Longe da luta e do fragor terreno,

 

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,

Afuguentou as larvas tumulares...

Para surgir do seio desses mares,

Um mundo novo espera só um aceno...

 

Escuta! é a grande voz das multidões!

São teus irmãos, que se erguem! são canções...

Mas de guerra... e são vozes de rebate!

 

Ergue-te pois, soldado do Futuro,

E dos raios de luz do sonho puro,

Sonhador, faze espada de combate!

A propósito do Dia Mundial da Água, transcrevo o poema de António Gedeão:

 

Lição sobre a água

 

Este líquido é água.


Quando pura

é inodora, insípida e incolor.


Reduzida a vapor,

sob tensão e a alta temperatura,


move os êmbolos das máquinas que, por isso,


se denominam máquinas de vapor.

 

É um bom dissolvente.


Embora com excepções mas de um modo geral,


dissolve tudo bem, bases e sais.


Congela a zero graus centesimais

e ferve a 100, quando à pressão normal.

 

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,


sob um luar gomoso e branco de camélia,


apareceu a boiar o cadáver de Ofélia

com um nenúfar na mão.

 

A 16 de Março de 1993 faleceu, em Lisboa, Natália Correia.

Recordamo-la numa das suas vertentes, a poesia:

 

               Ode à Paz


Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,

Pelas aves que voam no olhar de uma criança,

Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,

Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,

Pela branda melodia do rumor dos regatos,

 

Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,

Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,

Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,

Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,

Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,

Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,

Pelos aromas maduros de suaves outonos,

Pela futura manhã dos grandes transparentes,

Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,

Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas

Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,

Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,

Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.

Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,

Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,

Abre as portas da História,

                               deixa passar a Vida!

 

Natália Correia, in "Inéditos (1985/1990)"

 

 

Quando alguém passa da pobreza à riqueza e alcança

um cargo público, nunca mais se lembra do que era dantes.

Renega as anteriores amizades e, insensato,

não conhece os caprichos da inconstante Fortuna.

Foste outrora um mendigo, mas tu, que pedias esmola,

recusas-te agora a dá-la aos outros. Meu amigo, tudo

o que pertence aos homens é fugaz. Se não acreditas, irás

pedir esmola outra vez e serás tu próprio testemunha.

 

Ágatas, o Escolástico - Antologia Palatina (trad. de Albano Martins)

 

PRIMAVERA

 

As heras de outras eras água pedra

E passa devagar memória antiga

Com brisa madressilva e Primavera

E o desejo da jovem noite nua

Música passando pelas veias

E a sombra das folhagens nas paredes

Descalço o passo sobre os musgos verdes

E a noite transparente e distraída

Com seu sabor de rosa densa e breve

Onde me lembro amor de ter morrido

— Sangue feroz do tempo possuído

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro VI.