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Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Com a devida vénia, transcrevo do blog sobre literatura a opinião de diferentes autores sobre literatura e crítica literária:

 

Mesa 2: ÉRAMOS POORS E NÃO SABÍAMOS - Como a crítica literária (não) influencia os leitores

 

Para a professora universitária e escritora Ana Margarida Falcão, «a crítica foi responsável por uma sacralização da literatura. Os textos de crítica eram assinados por grandes intelectuais, jornalistas especializados ou outros escritores com um background de leituras da grande literatura e, há 30 anos, era um grupo quase fechado no qual era impossível entrar». Esta docente considera ainda que os sucessivos ministros da Educação foram responsáveis pelo estreitamento das leituras em Portugal. «O conhecimento da literatura dos meus alunos só começa em meados do século XX. O papel do poder político foi determinante para isso, nomeadamente através da forma como foi construindo os programas dos vários níveis de educação.»

 

Eduardo Pitta escapa ao núcleo dos críticos que põem a literatura num altar. «Eu dessacralizo por completo a literatura. A literatura sempre foi a minha vida. Comecei por publicar coisas inomináveis, em 1967.» Prova dessa atitude é a opinião de que «ser escritor é como ser um outro profissional qualquer. Eu exijo que um empregado de mesa me sirva com o mesmo profissionalismo que eu coloco quando estou a escrever».

 

Para o crítico da revista Sábado, a partir dos anos 1950 a crítica literária mudou muito, «graças a professores universitários, como o Óscar Lopes, que fez a crítica dar um salto muito grande». A crítica da década de 1960 teve alguns equívocos, a crítica dos anos 70 foi bastante engagée. O contexto político determina e contamina a literatura. «Se pensarmos no cânone em 24 de Abril de 74 e no cânone dois anos depois, só dois ou três nomes permaneceram: Agustina, Sophia e Vergílio.» Mais tarde deu-se uma nova ruptura, passamos de uma tradição francófona para uma tradição anglófona, «partindo do princípio de que aquilo que algumas pessoas falam é inglês», atirou Eduardo Pitta.

 

Afonso Cruz lançou no debate a questão da percepção: até que ponto somos afetados pela forma como percecionamos os acontecimentos. «Na altura da gripe das aves, toda a gente lavava as mãos a toda a hora, parecíamos uns Pilatos. Hoje isso já não acontece.» O reforço da observação sobre um determinado fenómeno potencia-o. «A crítica, a seu tempo, deve ter criado muitas gripes das aves. Ao destacar muito determinados autores, por certo acabou por lhes dar um relevo que a história veio a provar como exagerado.»

 

A reforçar esta ideia, Afonso Cruz citou um estudo que demonstrava que um indivíduo inserido num grupo, em 38 por cento das ocasiões, acabava por adotar a opinião dominante e trair os seus sentidos. «Isto acontece também com a crítica: não serão todos, mas alguns críticos devem acabar por alinhar com a maioria.»

 

A fechar o painel, o jornalista e escritor Júlio Magalhães concentrou a sua intervenção no papel dos críticos. «O que faz o cânone não é o tempo mas as pessoas. […]. Na literatura há espaço para todos. Hoje qualquer um pode escrever um livro, e vocês olham para mim. A crítica fala hoje para um nicho e foi durante muito tempo fechada, daí que as pessoas desconfiem quando leem uma crítica. Quanto mais estrelas a crítica dá, menos o livro vende. Desapareceram os textos literários e narrativos sobre os livros e foram ganhando importância as estrelas. A crítica portou-se como uma agência de rating, tanto na literatura como no cinema.»

 

Continuando a leitura de "A Queda de um Anjo" de Camilo Castelo Branco.

 

Por fins de Janeiro, chegou Benevides de Barbuda a Lisboa, e alugou casa no bairro de Alfama, por lhe terem dito que, naquela porção de Lisboa antiga, a cada esquina havia um monumento à espera de arqueólogo competente.

Ao cabo de três dias, Calisto mudou-se para rua mais limpa, supondo que os lamaçais de Alfama haviam tragado os monumentos, lamaçais em que ele desastradamente escorregara, e donde saíra mal-limpo, e assoviado por marujos e colarejas, seus vizinhos mais chegados. Mau agouro! A primeira quimera de Calisto, seu tanto ou quanto científica, atascara-se na lama daquela parte de Lisboa, que devia ser a ínclita Ulissea de Luís de Camões!

O deputado, sem embargo de ir habitar o quarto andar de uma casa lavada de ares e muito desafogada na rua da Procissão, quis-lhe parecer que a atmosfera da capital não cheirava bem.

Abriu um dos seus livros velhos, intitulado Do Sítio de Lisboa, etc., por Luís Mendes de Vasconcelos, e leu:

“... E assim, de todo o território de Lisboa, parece que da terra, fontes e rios respiram suavíssimos vapores, amigos da natureza humana; porque é coisa certíssima que a benignidade dos ares deste sítio não é por natureza deleitosa, pelo seu temperamento, mas de grandíssimo proveito para algumas doenças...”

Calisto Eloi fechou o livro, e disse de si para consigo, tomando uma vez de rapé:

— O meu clássico não podia mentir. Este mau cheiro é desconcerto da minha membrana pituitária...

E alcatroou segunda vez as ventas com uma pitada desinfectante.