José Eduardo AGUALUSA, Barroco Tropical (romance), Dom Quixote, 2009, 342 páginas.
Uma narrativa cativante pela forma como vai variando a perspectiva e o tipo de narrador, bem como pela inserção de narrativas intercaladas, diários ou cartas.
Tudo se passa em Luanda, num futuro muito próximo, numa cidade onde a corrupção campeia. Tece-se, através das personagens, uma crítica feroz a uma governação autocrática, que gera o medo e o terror entre camadas da população. Há pequenos grupos que dominam de forma cruel, persecutória e assassina. Não há liberdade de expressão e os que ousam mover-se por conta própria, denunciando o que se passa, são perseguidos e ameaçados.
Sob a capa de manter tradições do povo nativo, fugindo às regras que os colonialistas deixaram, cometem-se atrocidades. Os que contestam são apelidados de traidores, acusados de estarem ainda imbuídos do espírito colonial, até mesmo por defenderem a língua oficial, o português, que os outros querem substituir pelas línguas tradicionais, que já poucos falam ou entendem.
É retratada uma cidade de contrastes, na pobreza e degradação das habitações, grandes arranha-céus abandonados, mas grandiosas casas, carros e vida de luxo para alguns, os que dominam.
Percorrendo toda a narrativa o recurso ao fantástico, a crença no sobrenatural, mesinhas e bruxarias, numa afirmação de tradições ancestrais. Curandeiros, artistas, traficantes de droga povoam este universo crespuscular, numa cidade em convulsão, no ano 2020.
Tudo começa com uma tempestade e uma mulher que caiu do céu.
Não faltam as relações com Portugal e os portugueses, os amores infelizes, a música tradicional, a literatura, o jornalismo.
“ Os jornais angolanos trazem com frequência notícias de pessoas assassinadas sob a acusação de feitiçaria.”
“Triste figura a minha. Arrastado por uma trela, como um animal, rosto desfigurado, camisa manchada de sangue, calças rasgadas.”
“Escrevo para iluminar os corredores da minha alma.”
“A caveira falante — um conto africano”
Cap. 19 “ O vendedor de espelhos, seguido de um debate sobre línguas e identidades destinado a confundir os meus detractores neonativistas”