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Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Maria Vitalina Leal de Matos, Prosas Desfocadas, 4Águas editora (POPSul), 2013, 103 páginas.

 

São 23 pequenos textos, de temas diversos e muito distintos entre si, com um alinhamento desordenado, até pela numeração, o nº XXIII vem em segundo lugar, o que tem a numeração XII, em último.

Textos poéticos, muitos deles, reflexões sobre a vida, sobre o amor e a morte, num exemplar tratamento da língua, como seria de esperar de uma especialista da literatura portuguesa, numa linguagem metafórica, cheia de significados múltiplos.

O sujeito/ narrador é, umas vezes feminino, outras do sexo masculino, situando-se, a maior parte das vezes, num ambiente irreal, de sonho ou de fantasia, numa fuga à realidade. O ponto de partida pode ser o mar, lugares/recordações, sentimentos, por vezes tristes, outras felizes...

E a poesia sempre presente... a metáfora, a imagem simbólica...

 

"Nas dunas, a vegetação agita-se como cabelos, dócil, percorrida por música.

Mas não se ouve nada.

Corro por entre as dunas, corro à beira-mar.

E de súbito, como num búzio, ouve-se. Vem de longe e soa, vem soando até se perder na espuma.

Branca, rendilhada, leve, branca sobre a orla.

Dançava e rodava. Deixava cair a cabeça e rodava, e sob os cabelos via de novo o branco rendilhado, esvoaçando, na orla da saia.

Havia espuma na mesa, nas taças.

Ouve-se e vem de longe, como num búzio. É bom porque vem de longe, não se sabe de onde." — Dunas

 

 

Carlos Campaniço, Mal Nascer, Casa das Letras, 2014, 191 páginas.

 

Romance finalista do Prémio LeYa, Mal Nascer é um livro que se lê com agrado, uma narrativa que nos entusiasma a não parar, na expectativa de novas revelações — uma história bem contada.

A acção remete-nos para o século XIX, época de lutas entre liberais e absolutistas, mas isso serve apenas de referência para uma identificação da personagem central e uma caracterização da sociedade envolvente, pois, embora ligado às lides liberais, não é essa a questão que domina a vida do protagonista desta história. 

O narrador/personagem central recorda memórias dramáticas da sua infância, numa vila para onde regressa muitos anos depois de a ter deixado. Aqui, onde vem exercer a profissão de médico, ao mesmo tempo que pretende ajustar contas com esse passado, vai envolver-se numa complexa história, com uma paixão proibida que o domina.

 

Valter Hugo Mãe, A Desumanização, Porto Editora, 2013, 238 páginas.

 

" O livro mais plástico de Valter Hugo Mãe. Um livro de ver. Uma utopia de purificar a experiência difícil e maravilhosa de se estar vivo." — lê-se na contracapa.

 

Com uma acção situada no ambiente dos fiordes da Islândia, este romance de V.H. Mãe é uma narrativa estranha à qual não se adere de imediato. Descrevendo um ambiente e uma cultura diferentes, o narrador/personagem central desta narrativa é uma menina de uma extrema sensibilidade, uma criança-mulher que vê o mundo com um olhar poético, através dos poemas de seu pai, mas é uma criança sofrida, com uma vida mutilada pela morte da sua irmã gémea.

"Foram dizer-me que a plantavam. Havia de nascer outra vez, igual a uma semente atirada àquele bocado muito guardado de terra".

 

É um livro que tem de ser apreciado pela plasticidade da linguagem, é necessário atender, essencialmente, à forma como as palavras aparecem com nova roupagem, com um sentido outro, recriadas. O encanto desta obra está na beleza da sua escrita, na pureza destas personagens, tão primitivas e belas.