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Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Laurent Gaudé, A última viagem, Sextante Editora, 2013, 136 páginas.

 

É, na realidade, uma narrativa épica. Um livro que nos deixa sem fôlego. O autor consegue levar-nos até ao passado, dar-nos a força do combate na energia dos guerreiros e conquistadores. É um mundo de guerra e de crueldade, um mundo de lutas e conquistas, um mundo masculino, mas onde se destaca a firmeza de uma mulher, também ela imortalizada.

Um livro que fala de lealdade, de afectos, mas também de lutas pelo poder, da ambição que torna inimigos os que pouco antes eram companheiros de armas. Transporta-nos a um outro mundo, a uma realidade mítica, à consagração e divinização de um herói lendário. A realidade e o mito misturam-se, num convívio natural entre dois mundos, o dos vivos e o dos mortos que se imortalizaram. O grande conquistador, Alexandre o Grande, passa, assim, da história para a lenda.

Lê-se na contracapa o comentário: "Convocando uma parte mística e uma parte fantástica, Gaudé assina um romance polifónico, digno das mais profundas mitologias."

Sándor Márai, A irmã, Dom Quixote, 2013, 213 páginas.

 

O húngaro Sándor Márai não é um narrador de futilidades, não é um autor fácil. A sua escrita é cuidada, elaborada; as suas narrativas tratam temáticas complexas, pesadas, muitas vezes, não são leituras de divertimento, de descontracção. Em As velas ardem até ao fim, A Herança de Eszter ou A Ilha, o autor desenvolve temas muito humanos, que nos fazem reflectir sobre a vida e a solidão, sobre a humanidade, sobre a complexidade da natureza humana, sobre a dificuldade que muitas vezes temos em compreender as reacções, as atitudes, os actos das pessoas.

 

Neste romance, "A irmã", de novo o autor desenvolve uma temática de grande densidade e intensidade psicológica— a vida e a morte, a doença e a forma de lidar com ela.

Situado numa época conturbada da história da Europa, esta obra, escrita em 1946, relata tempos de guerra. Mas a guerra aqui narrada não é a das trincheiras, não é a dos campos de batalha.

O que se narra aqui é uma batalha mais solitária, a batalha que alguém trava com a doença, com a dor e o sofrimento, com o conhecimento de que vai morrer em breve. A narrativa central é o Diário de um famoso pianista que nos descreve em pormenor os seus dias de internamento num hospital onde esteve durante meses, primeiro a deixar-se levar pela doença, depois a lutar contra ela e a querer viver.

É um relato impressionante desse ambiente de hospital, das reacções de médicos e enfermeiros, na perspectiva do doente.

E, no meio do sofrimento, todo o sentido da vida é posto em causa, nada do que antes vivera tem qualquer interesse, perde-se a noção de pudor, de intimidade, de orgulho, de qualquer sentimento pessoal ou de interesse social. Tudo é questionado. Mas a cura está dentro de nós, como lhe dizia um dos médicos, só o querer do doente pode produzir a cura da doença, que resultou de uma desarmonia da vida, a doença era a vida, por isso o corpo se ressentiu.

"A doença não é mais do que uma violação da ordem do mundo".

"Apesar de me encontrar neste estado pouco inteligível, entre a vida e a morte, sabia que apenas em harmonia com a consciência podia ser feliz, sem sentir qualquer tipo de culpa, mesmo que este bem-estar durasse pouco tempo."

Teresa Martins Marques, A Mulher que Venceu Don Juan, Âncora Editores, 2013, 326 páginas.

 

Esta obra trata um problema bem frequente, infelizmente, nos tempos actuais — a violência doméstica.

Sara é a personagem principal, aquela que conseguiu romper com um passado de submissão, de maus tratos, físicos e psicológicos, nas mãos de um homem violento, um cidadão importante, na profissão e na sociedade, um gentleman, mas um homem de dupla personalidade, um verdadeiro monstro, com uma vida escondida, cheia de horrores, de ligações a um submundo de traficâncias de vária ordem. Mas Sara não é a única vítima. Outras personagens, igualmente importantes povoam este romance-ensaio que se debruça sobre temas como o donjuanismo, o amor e suas nuances e outros temas ligados à literatura. Tendo em conta a vida profissional das personagens, neste romance perpassam estudos filosóficos, psicológicos e, essencialmente, literários. São referidos autores e obras, essencialmente da literatura portuguesa, mas também clássicos da literatura universal.

A autora não deixa igualmente de salientar descrições do património nacional, do natural ao construído, sem esquecer o gastronómico.

Um romance actual, algo diferente — um romance-ensaio —  com a particularidade de ter começado por ser publicado em folhetins, no facebook, um romance-folhetim da modernidade.