divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira
Guilherme Centazzi, O Estudante de Coimbra, Planeta, Março de 2012, 317 páginas ( sendo 263 de texto, 20 de notas, mais posfácio de Maria de Fátima Mourinho)
Guilhereme Centazzi é um autor português do século XIX, um autor esquecido. O Estudante de Coimbra foi publicado em 1840-1841 e agora reeditado.
Com traços autobiográficos, pois Centazzi foi estudante de Coimbra, onde cursou medicina, é uma obra de ficção que foca a realidade contemporânea do autor. Numa linguagem directa, onde não falta o diálogo com o leitor, o narrador-personagem central narra-nos os tempos conturbados das lutas entre liberais e absolutistas, até à vitória do liberalismo (em 1834) e à sequência de governos de Portugal a partir daí.
O narrador dá-nos, com pormenor e realismo, os acontecimentos dessa época, as perseguições e torturas, as prisões e enforcamentos, as denúncias e deslealdades duma sociedade civil destroçada e confusa pelas lutas políticas. Ligando toda a trama, uma romântica e dramática história de amor cheia de encontros e desencontros.
Um romance de grande modernidade, não só pela linguagem utilizada, mas também pelo tipo de narrativa, onde um narrador de 3ª pessoa se confunde, por vezes, com o autor, introduzindo comentários e sentenças sobre a realidade narrada e dialogando com os leitores com os quais vai construindo a sua narrativa.
Uma leitura, a todos os títulos, interessante, educativa e enriquecedora.
Sándor Márai, A Ilha, D.Quixote, Outubro de 2012, 155 páginas.
Esta obra de Márai, autor húngaro, foi publicada em 1934. Lê-se na capa desta edição portuguesa: " um texto curto e vibrante que narra uma viagem às profundezas da alma humana. Márai mantém com firmeza a tensão de uma história sobre a ambiguidade do amor, a angústia da incerteza e o abismo da solidão."
Uma narrativa impressionante, uma análise profunda dos mistérios do ser humano, uma obra de grande densidade dramática, de uma dura frieza na confusão de sentimentos opostos.
A personagem central, Viktor Askenasi, eminente professor em Paris, toma, um dia, uma decisão radical na sua vida. Este cidadão exemplar, que viveu até esse momento uma vida "normal", era respeitado por todos até ao momento em que, sem qualquer explicação aparente, se deixa levar por uma atracção momentânea, julgando encontrar, então, o verdadeiro amor. Insatisfeito, incompreendido e atormentado pelas dúvidas, resolveu empreender uma viagem para descansar e reflectir.
Esta viagem acaba por ser, mais que uma viagem no espaço, uma viagem ao seu interior mais profundo. Askenasi revê toda a sua vida, interroga-se sobre todos os valores nos quais, até então, tinha estado inserido e sente, no mais íntimo de si, a insatisfação, a falta de respostas para as suas inquietações.
Depois de alguns dias de questionamento e de "revisão" do seu passado, toma a decisão mais radical e repentina que o vai lançar no abismo.
A "ilha" é o local simbólico, espaço físico onde a personagem se põe a nu frente à imensidão do espaço e do Criador, mas é também metáfora do isolamento do ser humano que se sente só e inseguro perante os seus fantasmas, os seus questionamentos, as suas incertezas.
"Que vazio incompreensível aspiramos preencher através de cada acto das nossas vidas?"