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Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Carlos Ruiz Zafón, O Prisioneiro do Céu, Planeta, Junho de 2012, 393 páginas.

 

Uma narrativa que apaixona e entusiasma. Relatos horripilantes das prisões e torturas do tempo da guerra civil em Espanha.

Em tempos de incerteza e de desânimo, começando a narrativa dos factos em 1957, assistimos à vida quotidiana da cidade de Barcelona, tentando recuperar dos tempos terríveis da guerra.

Num regresso a factos do passado, somos levados até 1940 e anos seguintes, às masmorras, às prisões e às torturas, através de algumas personagens que vão desvendando os seus sentimentos, os seus pesadelos.

As personagens principais situam-se no mundo dos livros, a livraria de Sempere e somos, já no final, levados até ao Cemitério dos Livros Esquecidos, onde se esconde o enigma que promete trazer-nos novas narrativas.

Misto de romance de aventura e mistério, com emocionantes histórias de amor e intriga política, esta obra é também um grito na defesa dos direitos humanos, da dignidade da pessoa, uma denúncia das crueldades da guerra e dos jogos de poder.


Nota: um lamento em relação à tradução e em defesa da língua portuguesa — por duas vezes aparece o erro terrível da conjugação do verbo haver, ex. "duvido que hajam mais de trezentos leitores"; é muito mau deixar-se passar um erro destes.

João Pedro Marques, Uma Fazenda em África, Porto Editora, 2012, 432 páginas.

 

Um romance de tema histórico, situado no início da colonização de Moçâmedes. Um grupo de colonos sai de Pernambuco, levados pelo sonho de um homem, e parte à aventura, procurando nessa África desconhecida e remota uma vida diferente da que viviam no Brasil, ao tempo atormentado por assaltos e mortes aos colonos portugueses.

Assistimos aos sonhos de toda esta gente, às lutas, às desilusões, numa terra de costumes diferentes, de climas inóspitos, de gentes, por vezes, pouco acolhedoras. Aqui se vivem amores e desamores, ódios, lutas pela sobrevivência, mas também há os que conseguem singrar na vida, que, à custa de muita luta e teimosia alcançam o sucesso e nunca desistem de atingir o seu sonho.

Encantam as descrições de paisagens exóticas, mas também de sentimentos e emoções, mostrando o que, em cada ser humano, existe de desejo de amor, de compreensão, de companheirismo, demonstrando que o sucesso nem sempre traz felicidade, se não houver com quem a partilhar.

Uma obra que, ficcionando uma realidade, nos mostra, com rigor histórico, os trabalhos, o sofrimento, as lutas destes pioneiros de África que, sem medo (ou enfrentando esse medo) partem à descoberta, contactam com os povos nativos, exploram estas regiões que dão a conhecer ao mundo ocidental.

" A crise do mundo moderno, com a sua vastidão e acuidade desafia-nos a cada momento, na nossa nudez e na nossa fragilidade. Obriga-nos a fazer da fraqueza força, a convocar a imaginação, a perscrutar os oráculos dos sábios, a interpretar os resultados da ciência acumulada durante séculos, a considerar cada momento da existência como virtualmente novo. Estamos, sem dúvida, num momento dramático da história da Humanidade. Mas enquanto houver vida no planeta e o Sol reaparecer a oriente na manhã de cada dia, enquanto os homens e as mulheres se amarem e as crianças nascerem e brincarem, há ainda um resto de esperança."

José Mattoso, "A luta pelos valores no fim do milénio", in Levantar o Céu - os Labirintos da Sabedoria, Círculo de Leitores, 2012.

J.Rentes de Carvalho, A Amante Holandesa, Quetzal, 1ª ed. 2010, 2ª ed. 2011, 230 páginas.

 

Sendo, para mim, a 1ª obra deste autor, foi uma revelação. 

Numa escrita em que o culto da palavra é importante, uma narrativa que entusiasma do princípio ao fim. O sonho e a realidade acabam por dar as mãos nestas histórias de amor, nas ilusões, tristezas e desilusões de personagens que encarnam muito do que são os sentimentos abafados em cada um de nós. A  realidade e a frustração, a coragem de assumir, alguma vez, a verdade, num mundo de hipocrisias, de mentiras, de preconceitos.

A amizade entre dois homens, amigos de infância que se reencontram muito mais tarde, com os seus percursos de vida bem diferentes, leva à recordação do passado, à consciência dos sonhos desfeitos, e acaba por ter consequências desastrosas, ao abalar a rotina das suas vidas.

Num ambiente rural, a poesia do campo, da natureza, na sua braveza, contrasta com a desumanidade das gentes, daqueles que não entendem as diferenças, que não perdoam aos que saíram das suas vidas rotineiras. Os sonhos são abalados, os sentimentos deturpados, a poesia desfaz-se perante a dura realidade.

As personagens movem-se em ambientes contrastantes: a vida comezinha do campo contrasta com a vida de uma pequena cidade de província; os valores e formas de pensar de portugueses em flagrante antítese com a mentalidade holandesa, o passado bem diferente do presente. Estas diferenças geram choques, de culturas, de sentimentos, de reacções. Mas, no fundo, é a alma humana que se desvenda, com todos os seus problemas, com as suas dúvidas, com as suas interrogações, mas também com a sua ânsia de viver, de conhecer, de compreender, de amar e sentir-se amada.