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Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Tiago Patrício, Trás-os-Montes, Gradiva, Maio de 2012, 159 páginas.

 

Este romance recebeu o Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís 2011, instituído pela Estoril-Sol.

 

Teodoro, Óscar, Edgar e Raquel — três  rapazes, mais uma rapariga, irmã de Óscar — jovens que vivem a sua infância numa localidade rural do interior do país.

Em cada capítulo o narrador apresenta uma pequena história da vida destes jovens, essencialmente dos rapazes, que vivem, da forma mais natural possível, em contacto com a natureza, uma vida e uma sensibilidade bem semelhantes às agruras da paisagem e dos costumes da terra. Os rapazes estão em pleno crescimento, procuram saber a natureza das coisas, especialmente Teodoro, aquele que se questiona acerca de tudo o que acontece. Organizam partidas uns aos outros, ou a outros rapazes, unidos os três nas "maroteiras" a fazer aos outros rapazes da sua idade, ou mesmo mais novos. Neste viver "à lei da natureza" há uma certa falta de sensibilidade, dificuldade em separar o bem do mal, o que os torna, por vezes, isensíveis ao sofrimento que causam. Maltratam tanto os animais como os humanos, sem medir as consequências das suas brincadeiras.

Nas palavras de Vasco Graça Moura, uma obra em que se destacam " as qualidades de escrita reportadas à dureza de um universo infantil numa aldeia de Trás-os-Montes e à maneira como o estilo narrativo encontra uma sugestiva economia na expressão e comportamentos das personagens".

João Ricardo Pedro, O teu rosto será o último, Leya, 2012, 207 páginas.

 

A vida de uma família ao longo de vários anos, o retrato de um país e de uma região do interior... Esta narrativa, com as sua originalidades em termos de discurso e de sequência, abrange o Portugal de antes do 25 de Abril de 1974 e as transformações da época seguinte. Começando com um desaparecimento misterioso, termina sem que esse mistério seja inteiramente desvendado. Personagens com um toque de loucura e de originalidade, análise psicológica, uma família que se destaca num ambiente rural, fechado. A personagem central é cheia de conflitos interiores que nunca chega a resolver.

Um romance interessante, especialmente se pensarmos que se trata de uma primeira obra do autor, que mereceu o prémio Leya em 2011.

Leitura recomendada.

Pela importante síntese que apresenta da obra camoniana, especialmente da epopeia, transcrevo o artigo de Vasco Graça Moura, no DN de hoje, 6 de Junho:

 

Nota para o dia de Camões

por VASCO GRAÇA MOURA

 

Fala-se no dia de Camões, mas nessa data ninguém costuma preocupar-se excessivamente com a importância e o sentido, quer da lírica, quer da épica camoniana. Mesmo sem uma retórica exacerbada e patriotinheira, à moda do triunfalismo de antigamente, só lucraríamos com o humilde reconhecimento de que as dimensões identitárias e culturais de uma figura e de uma obra como a dele mereciam celebração mais adequada e iniciativas que propusessem um trato mais continuado e mais esclarecido com ele e com os seus contemporâneos. Isto nos levaria logo aos programas escolares e às questões do ensino da literatura e da história na escola, com todo o cortejo de considerações que se justificam. E levar-nos-ia também a questões existenciais mais profundas, tocando um sentido da cidadania mais substantivo e mais preocupado em lermos Camões também à luz do que hoje somos, e em sermos "lidos por ele" na mesmíssima medida.

É claro que o contacto com a obra do épico, hoje, não vai sem dificuldades, para além das que respeitam à complexidade do texto, à sua interpretação, à sua sintaxe, ao seu léxico, à sua inserção no quadro da mentalidade nacional e no próprio tecido cultural europeu, quer na diacronia, quer na sincronia. Camões entretanto deixou de ser lido a sério, funcionando cada vez mais como repositório de citações para sossego de umas quantas almas. Mas há aspectos que, ainda agora, poderiam ser vistos e compreendidos mais ou menos por toda a gente e que são pelo menos tão importantes quanto a exaltação das façanhas guerreiras e dos aspectos heróicos da expansão.

Um desses aspectos prende-se com a crítica dos excessos, desvios, abusos, corrupções e desmandos da sociedade do seu tempo. Outro, respeita à introdução de uma noção de trocas comerciais no texto do poema, para a qual Magalhães Godinho de há muito chamou a atenção. Outro ainda, acentua a importância do Amor, quer como manifestação espiritual e emocional da vida humana, que pode condicionar não apenas o destino individual, mas também o próprio curso da História, quer enquanto dimensão metafísica que dá acesso ao conhecimento cósmico, como já em Dante acontecia.

Sendo um repositório de tipo enciclopédico em que se compendiam múltiplos conhecimentos da sua época (históricos, geográficos, antropológicos...), a obra de Camões, no plano da cultura literária, é uma verdadeira suma intertextual da presença dos grandes clássicos. Desde logo, são de registar a destreza, a densidade e a qualidade literária com que é acolhida e tratada, numa perspectiva renascentista, quando não maneirista, mas sempre vivida, essa herança da Antiguidade. Depois, porque tais elementos envolvem uma compreensão e uma encenação do mundo a partir dos ensinamentos, mitos e figuras assim recebidos, mas questionam radicalmente tal herança do mesmo passo que a reelaboram. Os Lusíadas são um momento crucial do próprio processo de interrogação da Europa sobre si mesma. E também por isso são um monumento incomparável da cultura europeia.

O poema camoniano configura uma elaborada epopeia do desvendamento do mundo e da aventura do conhecimento humano: ao contrapor à fábula e ao mito critérios novos de verdade e de experiência; ao contrapor os testemunhos vividos de fenómenos naturais e as referências a tecnologias inovadoras ao saber meramente livresco dos Antigos; ao manifestar a plena consciência de estarem a ser ultrapassados os "vedados términos" do mundo até então conhecido; finalmente ao propor uma visão, conquanto ainda geocêntrica, da estrutura e funcionamento do Cosmos.

Numa geometria cujo paralelismo só pode ser intencional, os cantos V e X de Os Lusíadas, a rematar, respectivamente, a primeira e a segunda metades do poema, articulam os dois tempos fundamentais desse conhecimento, o que vem do domínio da Natureza e das suas forças e o que desenha uma arquitectura do Universo cujo modelo em "trasunto reduzido" é apresentado no "globo transparente". Assim a História se fez conexa com a experiência humana e a aventura da viagem torna-se iniciática e abre para uma contemplação da transcendência.

Camões foi capaz de pegar nestas coisas e de as tornar elementos essenciais da magnificência do seu poema. Não perdemos nada em recordá-las de vez em quando. Porque não começar já hoje?