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Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Neste dia 25 de Abril, recordo dois poetas — três poemas: o antes e o depois de 1974

 

O longo sono

 

Depois da tempestade

o longo sono.

Os tributos. A fome. E o estrangeiro por dono

deste país que já não tem no nome

a independência da palavra liberdade.

 

Manuel Alegre, O canto e as armas, 1967

 

É preciso um país

 

Não mais Alcácer Quibir.

É preciso voltar a ter uma raiz

um chão para lavrar

um chão para florir.

É preciso um país.

 

Não mais navios a partir

para o país da ausência.

É preciso voltar ao ponto de partida

é preciso ficar e descobrir

a pátria onde foi traída

não só a independência

mas a vida.

 

Manuel Alegre, ib.

 

25 de Abril

 

Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo

 

Sophia de Mello Breyner, O Nome das Coisas.

23 de Abril — Dia Mundial do Livro

 

Alberto Manguel na sua obra "Uma História da Leitura" fala-nos do seu amor pelos livros:

 

"Depois de ter aprendido a ler as letras, lia tudo: livros, mas também avisos, anúncios, as letras miudinhas nas costas dos bilhetes de eléctrico, cartas deitadas ao lixo, jornais velhos apanhados debaixo do meu banco no jardim, grafitos, a contracapa das revistas nas mãos de outros leitores no autocarro. Quando descobri que Cervantes, na sua paixão pela leitura, lia "até os pedaços de papel rasgados na rua", fui capaz de reconhecer exactamente o impulso que o dominava. Esta veneração pelo livro ( em pergaminho, papel ou ecrã) é um dos fundamentos de uma sociedade letrada."

Lord Byron, poeta romântico inglês, faleceu a 19 de Abril de 1824, com 36 anos.

Apaixonado por Sintra, sobre ela escreveu, no seu poema Childe Harold’s Pilgrinage

 

"Lo! Cintra's glorious Eden intervenes

 In variegated maze of mount and glen. 


Ah me! what hand can pencil guide, or pen, 


To follow half on which the eye dilates 


Through views more dazzling unto mortal ken 


Than those whereof such things the bard relates, 


Who to the awe-struck world unlocked Elysium's gates?"

A  18 de Abril de 1842 nasceu, em Ponta Delgada, Antero de Quental (morreu a 11 de Setembro de 1881).

Poeta e filósofo, Antero de Quental teve um importante papel na renovação da cultura e da literatura em Portugal na segunda metade do século XIX.

Destaca-se em 1865 na chamada Questão Coimbrã, ou Questão do Bom Senso e Bom Gosto, uma polémica literária que envolve a jovem geração de Coimbra contra Feliciano de Castilho e Pinheiro Chagas, representantes de uma literatura agarrada a preconceitos do passado. É este movimento literário a primeira manifestação da Geração de 70, que culminará nas Conferências do Casino Lisbonense.

Da sua vasta produção literária destaca-se a obra poética: Odes Modernas e Sonetos Completos..

 

 

O Palácio da Ventura

 

Sonho que sou um cavaleiro andante.

Por desertos, por sóis, por noite escura,

Paladino do amor, busca anelante

O palácio encantado da Ventura!

 

Mas já desmaio, exausto e vacilante,

Quebrada a espada já, rota a armadura...

E eis que súbito o avisto, fulgurante

Na sua pompa e aérea formusura!

 

Com grandes golpes bato à porta e brado:

Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...

Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!

 

Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...

Mas dentro encontro só, cheio de dor,

Silêncio e escuridão -- e nada mais!

 

 ...............................

                        

A um poeta

 

Tu, que dormes, espírito sereno,

Posto à sombra dos cedros seculares,

Como um levita à sombra dos altares,

Longe da luta e do fragor terreno,

 

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,

Afuguentou as larvas tumulares...

Para surgir do seio desses mares,

Um mundo novo espera só um aceno...

 

Escuta! é a grande voz das multidões!

São teus irmãos, que se erguem! são canções...

Mas de guerra... e são vozes de rebate!

 

Ergue-te pois, soldado do Futuro,

E dos raios de luz do sonho puro,

Sonhador, faze espada de combate!

Pascal Mercier, Comboio nocturno para Lisboa, Dom Quixote, 2008, 2ª ed., 423 páginas (edição original, Munchen, 2004).

 

Interessante romance que integra o percurso da personagem principal e os textos de uma segunda personagem central, procurada pelo anterior.

Vejamos: um professor de línguas clássicas (latim e grego e ainda hebraico), Gregorius, conhecido entre os seus alunos e colegas como o Mundus, o Papiro, resolve deixar tudo e partir para o desconhecido, em busca do autor de um livro que o fascinou. Gregorius, professor em Berna, depois de um inesperado encontro com uma mulher, que lhe disse ser portuguesa, depois do contacto com um livro do português Amadeu do Prado, nunca mais é o mesmo. O grande erudito das línguas clássicas, que sabia de cor os textos dos melhores autores gregos e latinos, decide mudar de vida. Deixa a escola inesperadamente, procura um curso de português e mete-se num comboio até Lisboa à procura do autor desse livro. Ao chegar a Lisboa procura saber tudo sobre o autor do livro, que já tinha falecido há 30 anos. Encontra familiares, amigos, o liceu onde ele estudou, de todos procura saber algo mais sobre este português de uma família aristocrática e envolvido nas lutas contra o regime de Salazar.

É uma época da história de Portugal vista por um estrangeiro, com personagens portuguesas, com passeios pelas ruas da capital, dando-nos a conhecer aspectos políticos e sociais que caracterizaram uma época, mostrando-nos a forma como é recordada, anos após a revolução de 1974, por aqueles que viveram a opressão, a resistência, a tortura.

Assistimos a uma reflexão e a uma descrição do pensamento, das dúvidas, dos complexos problemas do português Amadeu do Prado, mas também da problemática interior do próprio Gregorius, que em muitos aspectos se identifica com a personagem que ele procura conhecer em pormenor. Na busca de si próprio, na procura do seu verdadeiro caminho, Gregorius vive intensamente os problemas do médico português, Amadeu do Prado, revisita todos os lugares por ele frequentados, convive com aqueles que o conheceram.

Um interessante romance, narrativa de duas vidas, um discurso que se lê com interesse a cada página.

 

— Com base neste livro está a ser rodado um filme em Lisboa. Esperemos que ele saiba transmitir toda a riqueza psicológica destas personagens.

 

— Alguns reparos para a tradução: para além de alguns erros menores, e outros que podem ser considerados "gralhas", há dois erros que são graves e imperdoáveis. Em várias passagens da obra aparece "eminente" quando devia estar "iminente". O tradutor desconhece a diferença entre os dois vocábulos: fala de "morte eminente" quando devia escrever "morte iminente", quer dizer, que está prestes a acontecer (diferente de "eminente" que significa notável, que se destaca pela sua importância). O que é grave é que isto não aparece apenas uma vez mas muitas vezes. Um outro erro, também grave, aparece na página 399 onde se lê "E com aquele estranho,... , ela não queria ter nada a haver" — quando devia dizer "não queria ter nada a ver".

É pena que a língua portuguesa seja assim maltratada numa obra literária.