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Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Millôr Fernandes, escritor, humorista, caricaturista brasileiro faleceu hoje, com 88 anos.

Recordamo-lo com este texto extraído da internet:

 

Discurso de Deus a Eva

Millôr Fernandes


"... Eva, de repente, descobrindo uma bela cascata, resolveu tomar um banho de rio.  A criação inteira veio então espiar aquela coisa linda que ninguém conhecia.  E quando Eva saiu do banho, toda molhada, naquele mundo inaugural, naquela manhã primeval, estava realmente tão maravilhosa que os anjos, arcanjos e querubins, ao verem a primeira mulher nua sobre a Terra, não se contiveram, começaram a bater palmas e a gritar, entusiasmados: "O AUTOR! O AUTOR! O AUTOR!".

"P.S. - Este discurso do Todo-Poderoso está sendo divulgado pela primeira vez em todos os tempos, aqui neste livro.  Nunca foi publicado antes, nem mesmo pelo seu órgão oficial, A BÍBLIA."



"Minha cara,

eu te criei porque o mundo estava meio vazio, e o homem, solitário. O Paraíso era perfeito e, portanto, sem futuro. As árvores, ninguém para criticá-las; os jardins, ninguém para modificá-los; as cobras, ninguém para ouvi-las. Foi por isso que eu te fiz. Ele nem percebeu e custará os séculos para percebê-lo. É lento, o homenzinho. Mas, hás de compreender, foi a primeira criatura humana que fiz em toda a minha vida. Tive que usar argila, material precário, embora maleável. Já em ti usei a cartilagem de Adão, matéria mais difícil de trabalhar, mais teimosa, porém mais nobre. Caprichei em tuas cordas vocais, poderás falar mais, e mais suavemente. Teu corpo é mais bem acabado, mais liso, mais redondo, mais móvel, e nele coloquei alguns detalhes que, penso, vão fazer muito sucesso pelos tempos a fora. Olha Adão enquanto dorme; é teu. Ele pensara que és dele. Tu o dominarás sempre. Como escrava, como mãe, como mulher, concubina, vizinha, mulher do vizinho. Os deuses, meus descendentes; os profetas, meus public-relations, os legisladores, meus advogados; proibir-te-ão como luxúria, como adultério, como crime, e até como atentado ao pudor! Mas eles próprios não resistirão e chorarão como santos depois de pecarem contigo; como hereges, depois de, nos teus braços, negarem as próprias crenças; como traidores, depois de modificarem a Lei para servir-te. E tu, só de meneios, viverás.

Nasces sábia, na certeza de todos os teus recursos, enquanto o Homem, rude e primário, terá que se esforçar a vida inteira para adquirir um pouco de bens que depositará humildemente no teu leito. Vai! Quando perguntei a ele se queria uma Mulher, e lhe expliquei que era um prazer acima de todos os outros, ele perguntou se era um banho de rio ainda melhor. Eu ri. O homem e um simplório. Ou um cínico. Ainda não o entendi bem, eu que o fiz, imagina agora os seus semelhantes.

Olha, ele acorda. Vai. Dá-me um beijo e vai. Hmmmm, eu não pensava que fosse tão bom. Hmmmm, ótimol Vai, vai! Não é a mim que você deve tentar, menina! Vai, ele acorda. Vem vindo para cá. Olha a cara de espanto que faz. Sorri! Ah, eu vou me divertir muito nestes próximos séculos!"

Texto extraído do livro "Esta é a verdadeira história do Paraíso", Livraria Francisco Alves Editora - Rio de Janeiro, 1972.

 

28 de Março de 1810 — nasce Alexandre Herculano, um dos notáveis introdutores do Romantismo na literatura portuguesa, juntamente com Almeida Garrett.

Envolvido nas lutas pela implantação do liberalismo, foi obrigado, como outros do seu tempo, a exilar-se, primeiro em Inglaterra e depois em França.

Juntou-se, na Ilha Terceira, ao exército liberal que desembarcou no Mindelo no dia 8 de Julho de 1832 e que iniciou a guerra civil entre absolutistas e liberais. 

Foi nomeado por D. Pedro IV bibliotecário da Biblioteca do Porto, cargo que ocupou até ir para Lisboa dirigir a Revista Panorama, da qual foi redactor principal de 1837 a 1839 e que retomou em 1842.

Deixou uma obra vastíssima, especialmente notável no campo da história, tendo introduzido em Portugal um novo conceito de história, uma história científica, com a sua História de Portugal, cujo 1º volume saiu em 1846.

Da sua passagem pela Inglaterra e pela França trouxe a influência da corrente romântica, que introduziu em Portugal, juntamente com Almeida Garrett.

No campo da ficção salientam-se as Lendas e Narrativas e o romance histórico cujos títulos mais destacados são Eurico o Presbítero e O Bobo.

Foi, igualmente, um poeta romântico.

Morreu na sua quinta de Vale de Lobos (distrito de Santarém) em 13 de Setembro de 1877. Encontra-se sepultado no Mosteiro dos Jerónimos.

 

 

 

 

                                                                           Eurico o Presbítero.

No Dia Mundial do Teatro é bom lembrar o pai do teatro na literatura portuguesa — Gil Vicente.

 

Foi em 1502, na noite de 7 para 8 de Junho, no nascimento daquele que viria a ser o rei D. João III, que Gil Vicente representou, ele próprio, aquela que seria a primeira de um vasto conjunto de peças de teatro da sua autoria, o  Auto da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro.

Nasceu assim o teatro escrito, na literatura portuguesa, depois dos primeiros arremedos, improvisações nas festas da corte, ou representações de carácter religioso por altura das principais festas da Igreja.

 

Do Auto da Mofina Mendes, esta fala da personagem, Mofina, que representa bem a sorte ou a má sorte. Ela é o símbolo do sonho, dos castelos no ar, das ilusões desfeitas.

Diz o patrão Payo Vaz:

 

Pois Deos quer que pague e peite

tão daninha pegureira,

em pago desta canseira

toma este pote de azeite,

e vae-o vender á feira;

e quiçaes medrarás tu,

o que eu contigo não posso.

Mofina:

Vou-me á feira de Trancoso

logo, nome de Jesu,

e farei dinheiro grosso.

 

Do que este azeite render

comprarei ovos de pata,

que he a cousa mais barata

qu'eu de lá posso trazer.

E estes ovos chocarão;

cada ovo dara hum pato,

e cada pato hum tostão,

que passará de um milhão

e meio, a vender barato.

Casarei rica e honrada

por estes ovos de pata,

e o dia que for casada

sairei ataviada

com hum brial d'escarlata,

e diante o desposado,

que me estará namorando:

virei de dentro bailando

assi dest'arte bailado, 

esta cantiga cantando.


   Estas cousas diz Mofina Mendes com o pote de azeite à cabeça e andando enlevada no bailo, cai-lhe

No dia 24 de Março de 1905 morre em Amiens, França, o escritor Júlio Verne (nascido em Nantes a 8 de Fevereiro de 1828).

Autor de mais de uma centena de livros é especialmente conhecido pelas suas obras de ficção científica, tendo apresentado, na ficção, muito do que viria a ser, anos mais tarde, a realidade do avanço da ciência e da técnica: os submarinos, as máquinas voadoras, as viagens à Lua…

Os seus livros foram traduzidos para várias línguas, sendo um dos escritores com mais obras traduzidas em toda a história da literatura.

Obras como Cinco semanas em balão, 1863, Viagem ao centro da terra, de 1864, Vinte mil léguas submarinas, 1870, A volta ao mundo em oitenta dias, 1872, entre muitas outras, povoaram o imaginário de muitas gerações de jovens leitores em todo o mundo.

 

— Um texto exemplificativo:

 

Não sei de mais completa estupefacção do que aquela de que os transeuntes parados na estrada de Calcutá a Chandernagor, homens, mulheres e crianças, tanto ingleses como indianos, davam mostras não equívocas na manhã de 6 de Maio.

Francamente, aquele profundo sentimento de surpresa era bem natural.

Ao romper do Sol, de um dos arrabaldes da capital da índia, entre duas alas compactas de curiosos, saía um comboio de bem estranho aspecto, se tal nome se podia dar ao espantoso aparelho que subia a margem do Hougly.

À frente, e como único motor do comboio, um elefante gigantesco, da altura de vinte pés, do comprimento de trinta, e largura proporcional, avançava tranquila e majestosamente. Tinha uma tromba um pouco curva, com a ponta para cima, que lembrava enorme cornucópia. As presas, todas douradas, saíam da enorme queixada, semelhantes a duas foices ameaçadoras. Sobre o seu corpo, caprichosamente sarapintado, desdobrava-se uma rica coberta de cores vistosas, enfeitada de filigranas de ouro e prata, orlada de pesada franja. Trazia sobre o dorso uma espécie de torre, coroada de uma cúpula à moda da índia, e as paredes da torre eram providas de grossos vidros lenticulares, semelhantes às clarabóias de um camarote de navio.

Puxava o elefante um comboio composto de dois enormes carros, ou, melhor dizendo, de duas verdadeiras casas, espécie de bungalows ambulantes, cada um deles montado em quatro rodas esculpidas nos eixos, nos raios e nas caibas.

Estas rodas, de que só se via o segmento inferior, moviam-se dentro de caixas meio ocultas pelo rodapé dos enormes aparelhos de locomoção.

Uma pequena ponte articulada, que se prestava aos caprichos das voltas que era preciso dar, punha o primeiro veículo em comunicação com o segundo.

Como podia um só elefante, por muito forte que fosse, puxar aquelas duas maciças construções, sem nenhum esforço aparente? A verdade é que o possante animal a puxava.

As grandes patas levantavam-se e baixavam-se automaticamente, com uma regularidade puramente mecânica, e imediatamente passava do passo ao trote, sem que se visse a mão ou se ouvisse a voz de um mahout.

Era isto de que os curiosos se deviam logo admirar quando se conservavam a distância. Mas quando se aproximavam do colosso, faziam novas descobertas, e à admiração sucedia-se a surpresa.

Primeiro que tudo, uma espécie de mugido cadenciado, muito parecido com o uivo particular dos gigantes da fauna indiana, feria logo o ouvido. Além disso, com pequenos intervalos, saíam da tromba, erguida para o céu, rápidos jactos de vapor.

Não havia, porém, dúvida de que era um elefante!

A sua pele rugosa, de um verde-escuro, cobria com toda a certeza uma dessas ossadas poderosas com que a natureza favoreceu o rei dos paquidermes!

Os seus membros eram dotados de movimentos!

Mas, se algum curioso se arriscasse a pôr a mão sobre o enorme animal, tudo se explicaria. Aquilo não passava de uma ilusão, de uma imitação surpreendente, que mesmo de perto apresentava todas as aparências de vida.

O elefante era de aço, nas suas entranhas abrigava-se uma locomotora completa.

Quanto ao comboio, à «Steam House», para empregarmos o qualificativo que lhe convém, era a habitação ambulante prometida pelo engenheiro.

O primeiro carro, ou, antes, a primeira casa, servia de habitação ao coronel Munro, ao capitão Hod, a Banks e a mim.

Na segunda instalava-se o sargento Mac Neil e os indivíduos de que se compunha o pessoal ao serviço da expedição.

Banks cumprira a sua promessa, o coronel também, e aqui está a razão por que nós tínhamos partido naquela manhã de 6 de Maio, conduzidos por aquele trem verdadeiramente extraordinário, a visitarmos as regiões setentrionais da península indiática.

Mas para que era aquele elefante artificial? De que servia aquela fantasia, tanto em desacordo com o espírito prático dos Ingleses? Até então nunca ninguém se lembrara de dar a uma locomotiva, destinada a circular, quer pelo macadame das estradas, quer pelos carris dos caminhos de ferro, a forma de qualquer quadrúpede!

Da primeira vez que nos deixaram ver aquela máquina surpreendente, foi, devemos confessar, geral o espanto!

 

A casa a vapor (1880), Capítulo V — O gigante de aço.

 

William Beckford (1 de Outubro de 1760-2 de Maio de 1844)  foi um aristocrata inglês, romancista e crítico de arte.

É, contudo, mais conhecido entre nós pelos textos que escreveu sobre as suas viagens, das quais se destaca “Diário de William Beckford em Portugal e Espanha”, publicado em 1835 e “Alcobaça e Batalha – Recordações de Viagem”, repletas de descrições brilhantes, de cenas e costumes de Portugal do último quartel do século XVIII.

Chegou a Lisboa no dia 24 de Março de 1787.

Viveu em Sintra e Lisboa e foi muito popular entre a nobreza portuguesa da época.

Em Sintra arrendou a propriedade de Monserrate desde 1794 até 1808, realizando obras no palácio e começando a criar aí um jardim paisagístico.

 

Eis um exemplo interessante das suas impressões sobre Portugal:

 

João Gaspar Simões é autor da tradução e notas da obra, publicada em 3ª edição em 2009 pela Biblioteca Nacional(BECKFORD, William, 1760-1844. Introd. e notas Boyd Alexander; trad. e pref. João Gaspar Simões. 3.ª ed., reimp. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2009. 230 p.)


Recordando autores esquecidos, autores que na sua época se destacaram e tiveram influência.

Ana de Castro Osório nasceu em Mangualde, em 18 de Junho de 1872 e faleceu em Setúbal no dia 23 de Março de 1935. Deixou uma vasta obra.

Distinguiu-se como jornalista, como pedagoga, como feminista e autora de livros especialmente dedicados à infância.

Foi a primeira em Portugal na luta pela igualdade de direitos entre homem e mulher, tendo escrito, em 1905, "Mulheres Portuguesas", o primeiro manifesto feminista em português.

Imagem de uma das suas obras, "Mundo Novo", publicada em 1930, são importantes, neste tempo de discussão sobre o Novo Acordo Ortográfico, para se tomar atenção à grafia portuguesa dessa época:

 

 

Veja-se a diferença, especialmente no domínio da acentuação:  há palavras esdrúxulas sem acentuação gráfica, há outros vocábulos acentuados que há muito perderam esse acento gráfico, acento agudo onde hoje há acento grave (à), há formas do verbo querer com z, etc. Um estudo interessante, para além de dar a conhecer uma autora esquecida.

A propósito do Dia Mundial da Água, transcrevo o poema de António Gedeão:

 

Lição sobre a água

 

Este líquido é água.


Quando pura

é inodora, insípida e incolor.


Reduzida a vapor,

sob tensão e a alta temperatura,


move os êmbolos das máquinas que, por isso,


se denominam máquinas de vapor.

 

É um bom dissolvente.


Embora com excepções mas de um modo geral,


dissolve tudo bem, bases e sais.


Congela a zero graus centesimais

e ferve a 100, quando à pressão normal.

 

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,


sob um luar gomoso e branco de camélia,


apareceu a boiar o cadáver de Ofélia

com um nenúfar na mão.

No Dia Mundial da Poesia, um poema sobre a Europa:

 

Limpo do Espírito o unto da Europa, e deito-o

nas feridas do ocidente para que sequem mais

depressa. A Europa impregna-me com a sua febre,

que eu acalmo com a água de um ócio de

culturas. A Europa atravanca os passeios da memória,

e obriga a empurrá-la para deixar passar

os que chegam. Às vezes, a Europa encosta-se

às esquinas, como se não fizesse nada,

e confundem-na com a puta da noite, como

se ela estivesse à venda; mas o que ela faz

é oferecer o corpo a quem quiser. De outras

vezes, a Europa é a virgem que não quer

descer do altar, como se alguém a adorasse,

ainda, e lhe acendesse as velas de uma devoção

de milénios. "Tirem-me a Europa

da frente", dizem os que querem chegar

mais depressa aos lugares que a Europa

já descobriu, e perdeu, há muito. "Quero ser

como a Europa", dizem outros — os que

andaram atrás dela, e não souberam acompanhar-lhe

o passo, e caíram no primeiro obstáculo,

vendo acumularem-se por cima de si os corpos

de quem vinha atrás. A Europa enlouqueceu,

e pede que a fechem para que ninguém mais

acredite no que ela diz. A Europa é o mocho sábio

da fábula, e as crianças juntam-se à sua volta

a pensar que vão aprender alguma coisa. Tiro

a Europa do mapa e meto-a no bolso. E quando

alguém me pedir lume para o cigarro, vou puxar

por ela e acendo-a. Se o mundo arder, a culpa é

de quem me pediu lume; se a Europa se apagar,

deito-a fora e troco de isqueiro.

 

Nuno Júdice, A matéria do poema, Dom Quixote, 2008.

 

"O Dia 20 de Março de 1816 amanheceu radioso no Rio de Janeiro, porém depressa se transformou no mais lúgubre dia, desde a chegada da família real, no início de 1808. Às 11 horas da manhã, a atormentada Rainha Louca entregou a alma ao criador. Tinha 81 anos, três meses e três dias."

 

in Luísa de Paiva Boléo, D. Maria I - A rainha louca, A esfera dos livros, 2009, 372 páginas.

 

Dos textos redigidos para a ocasião, o mesmo livro transcreve, de Joaquim Raurino da Costa:

 

(...) E é Maria, flor dos soberanos

Que em delícias celestes engolfada,

Assim mesmo se lembra dos Humanos

 

Daqueles que tratou qual prole amada

A quem sempre foi Mãe a mais amante

E desdobrava a mão de bens ornada.

...

Que não possam as frágeis criaturas

Trocar em riso a dor, quando conhecem

Que uma alma gosta de imortais doçuras! (...)

 

Lá na urna debruçada, de onde escorre

Puro cristal com fúlgidas areias

O Tejo em tanta dor também discorre,

(...) O, Rainha imortal, sim tu serenas,

Lá de etério assento, em que descansas,

Prezadas aflições, acerbas penas.

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