Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

 

 

 

 

 

Um soneto de José Régio que parece escrito hoje:

 

Surge Janeiro frio e pardacento,

Descem da serra os lobos ao povoado;

Assentam-se os fantoches em São Bento

E o Decreto da fome é publicado.

 

Edita-se a novela do Orçamento;

Cresce a miséria ao povo amordaçado;

Mas os biltres do novo parlamento

Usufruem seis contos de ordenado.

 

E enquanto à fome o povo se estiola,

Certo santo pupilo de Loyola,

Mistura de judeu e de vilão,

 

Também faz o pequeno "sacrifício"

De trinta contos - só! - por seu ofício

Receber, a bem dele... e da nação.

 

JOSÉ RÉGIO  (1969)

 

Não falam com a natureza, os homens falam sozinhos,

sempre falaram. E há no entanto, ainda, entre dois analfabetos

de dois países longínquos,

uma estranheza que não existe em mais nenhuma espécie animal.

Foi o homem que inventou a linguagem

e foi também ele que inventou a falta de linguagem,

e a angústia que isso provoca.

 

Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Canto V, est. 24.

 

Não se aprende por fora

nada que seja sensato e fique. Perceber

com olhos e mãos é perceber incompleto.

Ninguém recita sabedoria, ninguém memoriza

actos sensatos, a calma é tão profunda

e abstracta que a sua fórmula não vem nos livros

e não há movimentos que a desenhem.

O importante não tem tamanho para caber

na televisão.

 

Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Caminho, 2010, Canto V, est. 74.

 

Camilo José Cela, A Colmeia, Publicações Dom Quixote, 2002, 3ª edição, 259 páginas.

 

Uma das obras mais importantes deste autor que foi prémio Nobel da Literatura em 1989.

Publicado em 1951, este romance teve várias edições mais recentes, quer na sua língua original, quer na tradução portuguesa.

 

O tempo da acção aqui narrada leva-nos até Madrid, nos anos da 2ª guerra mundial, até uma cidade onde os problemas sociais se multiplicam, onde a miséria alastra, onde o medo é uma constante.

 

A Colmeia narra o dia-a-dia de uma multidão de personagens (num total de 346, segundo uma contagem que aparece no final da obra) que têm em comum as ruas que percorrem, os locais que frequentam, os problemas que enfrentam.

Trata-se de uma sociedade onde o parecer é mais importante que o ser, onde cada um enfrenta os seus medos e procura escondê-los dos outros. Todos comentam tudo, criticam os outros sem olharem para si, os valores estão invertidos, a aparência social é o que conta.

A narrativa é uma sucessão de episódios de diferentes personagens que vão passando como num painel de retratos físicos e psicológicos. A caracterização das personagens, para além de se fazer pela actuação de cada uma, é predominantemente directa, feita pelo narrador, numa linguagem muito adaptada a cada tipo.

Em nota da primeira edição, o próprio autor escreve "A minha novela A Colmeia ... não é mais que um pálido reflexo, uma sombra humilde da quotidiana, áspera, entranhável e dolorosa realidade."

Em 1962, em nota da 4ª edição acrescenta:" Passaram os anos, tão dolorosos que quase nem se sentem, mas a colmeia continua a agitar-se, apesar de tudo, em adoração e pasmo do que não entende nem lhe liga."

Camilo José Cela, falecido em 2002, foi um dos grandes do romance espanhol do século XX.

 

Extraído do blog De rerum natura, a quem peço desculpa pelo atrevimento, cito algumas passagens de um livro que poderá ser a minha próxima leitura.


Trata-se da obra de A. Compagnon, Para que serve a literatura?,Porto, Deriva Editores, 2010:

 

“Lemos porque, mesmo se ler não é imprescindível para se viver, a vida se torna mais livre, mais clara, mais vasta para aqueles que lêem do que para aqueles que não lêem" (página 24).

 

"Com a literatura (…) o exemplo substitui a experiência, para inspirar máximas gerais ou, pelo menos, uma conduta em conformidade com tais máximas” (página 31).

 

“A literatura, enquanto instrumento de justiça e de tolerância, e a leitura, enquanto experiência de autonomia, contribuem para a liberdade e para a responsabilidade do individuo, valores esses, das Luzes, que presidiram à fundação da escola republicana” (página 31). 

 

a literatura é um exercício de pensamento; a leitura, uma experiência dos possíveis” (…) ela resiste à estupidez não com a violência, mas antes de forma subtil e obstinada" (página 49 e 48).

 

 

Mário de Carvalho, Quando o Diabo Reza, Tinta-da-China, Outubro de 2011, 164 páginas.


O livro apresenta um subtítulo "vadiário breve". É, realmente, da vida de vadios que, essencialmente, nos fala esta obra.

 

Duas realidades, dois grupos sociais, um retrato do nosso tempo. 

Aborda-se o problema dos idosos, da forma como são tratados, expostos à ganância familiar, que sonha com a herança, e à cobiça dos que fazem da burla e do aproveitamento dos mais frágeis o seu modo de vida. 

O narrador explora a vida dos grupos organizados, de pessoas que vivem de "esquemas" para sacar algum aos indefesos, da forma como engendram um plano quase perfeito para um golpe em grande, com todos os pormenores, mas que nem sempre dá certo e acaba por não obter o resultado pretendido.

O idoso, vítima em casa e na rua, é o mais prejudicado, quando, finalmente, se apercebe de quanto eram falsas as simpatias e os tratamentos de amizade que, de repente, dois estranhos lhe dedicam.

À família aplica-se o velho ditado "quem espera por sapatos de defunto toda a vida anda descalço". Os sonhos de cada um ficam por cumprir, sobra a falta de carinho filial, o abandono daquele que toda a vida trabalhou e lutou pela família e os atrasos da justiça que, quando é preciso, nada resolve.

Uma ironia amarga perpassa toda a obra que relata uma realidade, infelizmente bastante presente.

A linguagem usada pretende transmitir, nos diálogos, o calão próprio de grupos sociais marginais e sem cultura.

 

Giorgio Bassani, Os Óculos de Ouro, Quetzal, 2011, 126 páginas.

 

Uma imagem da sociedade de Ferrara, Itália, nos anos 30 do século XX, uma sociedade burguesa, onde o fascismo dominava.

A apresentação dessa sociedade é feita pelo narrador, um jovem universitário que, juntamente com outros colegas, vive experiências de viagens entre a sua terra e a universidade de Bolonha onde estudam. A personagem central será o homem dos óculos de aro dourado, o médico Fadigati, otorrinolaringologista, um ser pouco sociável, de quem pouco se sabe na cidade, mas do qual muito se murmura e de quem o narrador se torna amigo.

Aqui se relatam os preconceitos de uma sociedade fechada, que não aceitava a diferença, indiferente aos afectos e ao respeito pelo outro.

 

“ Não há nada como a honesta pretensão de manter distinto na sua vida o que é público do que é privado, para excitar o interesse indiscreto das pequenas sociedades honradas. “

 

Um romance sobre afectos, sobre a solidão dos incompreendidos, sobre interesses políticos, sobre a hipocrisia social.

 

Giorgio Bassani (1916-2000) foi um poeta e romancista italiano que soube, nas sua obras, fazer uma análise lírica mas ao mesmo tempo amarga da burguesia judaica italiana. 

Esta obra, Os Óculos de Ouro, foi publicada em Milão em 1970.

 

 

 

 

 

 

Gonçalo Cadilhe, Encontros Marcados, Clube do Autor, julho de 2011, 153 páginas.

 

O último livro do ano. Comprado no dia 31 de Dezembro de 2011, lido no dia 1 de janeiro de 2012.

 

Neste livro, Gonçalo Cadilhe reúne um conjunto de textos que foi publicando em revistas.

Fala-nos das suas viagens, de encontros marcantes, de momentos que só mais tarde percebeu como foram importantes na sua vida: pessoas, locais, canções, filmes, realização de sonhos...

Fala-nos de África, da América Latina, da distante Austrália, da América dos estados unidos, da Europa, da sua terra natal, a Figueira da Foz.

“Acredito no destino, mas só depois de ele ter acontecido. Não sou fatalista, sou integrista: tento integrar cada um desses encontros dentro de um significado mais amplo e fecundo.”

Um livro que nos transporta para longínquos locais, que  nos faz esquecer as agruras do quotidiano, que nos leva a sonhar.