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Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

Leituras

divulgação de livros; comentário de obras lidas; opiniões; literatura portuguesa; literatura estrangeira

 

No seu livro "Um mundo sem regras", Amin Maalouf, depois de analisar os graves males do nosso tempo, a perda de credibilidade dos diversos poderes, o problema dos valores, estabelecendo um confronto entre diversas épocas da história, apresenta algumas ideias para este século XXI, para ultrapassar os momentos de crise. Segundo ele, a cultura é algo de essencial com que podemos preencher "Estas dezenas de anos adicionais que a medicina nos oferece":

 

Esta é já uma razão suficiente para considerar o primado da cultura como uma disciplina de sobrevivência. Mas não é a única razão. Há uma outra, igualmente fundamental e que só por si justificaria que coloquemos a cultura no centro da nossa escala de valores. Trata-se da maneira como ela pode ajudar-nos a gerir a diversidade humana.

Estas populações com múltiplas origens, que vivem lado a lado em todos os países, em todas as cidades, vão continuar a olhar-se entre si através de prismas deformantes — algumas ideias feitas, alguns preconceitos ancestrais, algumas fantasias simplistas? Parece-me que chegou o momento de modificar os nossos hábitos e as nossas prioridades para nos colocarmos seriamente à escuta do mundo onde estamos embarcados. Porque neste século já não há estrangeiros, já só há "companheiros de viagem". Quer os nossos contemporâneos habitem do outro lado da rua ou no outro lado da Terra, estão a dois passos da nossa casa. Os nossos comportamentos têm efeito na sua carne, e os seus comportamentos têm efeito na nossa.

Se pretendemos preservar a paz civil nos nossos países, nas nossas cidades, nos nossos bairros e no conjunto do planeta, se desejamos que a diversidade humana se traduza por uma coexistência harmoniosa e não por tensões geradoras de violência, já não podemos permitir-nos conhecer "os outros" de maneira aproximativa, superficial, grosseira. Temos necessidade de conhecê-los com subtileza, de perto, direi mesmo na sua intimidade. O que só pode fazer-se através da sua cultura. E em primeiro lugar através da sua literatura. A intimidade de um povo é a sua literatura. É aí que ele revela as suas paixões, as suas aspirações, os seus sonhos, as suas frustrações, as suas crenças, a sua visão do mundo que o rodeia, a sua percepção de si mesmo e dos outros, inclusive de nós próprios.   [...]

Não vejo objectivo mais crucial neste século e é claro que, para termos os meios para o alcançar, devemos atribuir à cultura e ao ensino o lugar prioritário que lhe cabe.

 

Amin Maalouf, Um Mundo sem Regras, Difel, 2009.

 

Por que razão não há, entre a classe dirigente dos diversos países, quem veja estas verdades?

Por que razão continuam as "razões económicas" a gerir o Mundo?

 

 

 

 

Jostein Gaarder, O Castelo dos Pirenéus, Editorial Presença, Abril de 2011, 172 páginas.

 

Mais uma belíssima reflexão do autor de "O mundo de Sofia", "O enigma e o espelho", "Ética para um jovem", "A rapariga das laranjas", para além de outros.

Desta vez, a obra gira à volta de duas personagens, um homem e uma mulher, que viveram um grande amor na sua juventude e que, separados, ambos com novas vidas, casados e com filhos, se encontram 30 anos depois, por acaso (se há acasos nesta vida!), no mesmo hotel onde tinham estado.

 

A partir desse encontro decidem comunicar através de correio electrónico, recordando esses anos passados, recontando um ao outro tudo o que aconteceu nesse tempo, as suas ideias, as suas crenças, os episódios marcantes.

 

Ele, professor universitário, materialista, pragmático, acreditando nas explicações da ciência e duvidando de qualquer explicação que não possa ser comprovada; ela, espiritualista, crente na vida para além da morte, procurando na fé muitas explicações para aquilo que a ciência não entende.

 

As trocas de correspondência são longas reflexões sobre aquilo em que cada um acredita: para ele a vida na terra, como surgiu, como tudo pode ser explicado, a origem do universo, a consciência universal, os fenómenos da natureza... Para ela, o espírito, a crença no sobrenatural, a fé de que não há morte mas uma mudança no "tipo" de vida.

 

Nas recordações do passado, e causa da separação das suas vidas, está um episódio que ambos viveram mas que interpretaram de forma diferente, e essa diferença foi fatal para a comunhão que os unia e por isso gerou o afastamento.

Esta correspondência acaba por aproximá-los de novo, levando-os a concluir que o amor que sentiam nunca tinha morrido.

É esse episódio, o mistério que só no final é revelado e que conduz ao desenlace, que deixa o leitor na mesma posição de dúvida e incerteza acerca de tudo o que é discutido ao longo da obra, ou, quiçá, na certeza daquilo que a personagem defende.

 

 

"Eu não faço mais do que ir pelas ruas para vos persuadir, aos mais novos e aos mais velhos, de que não deveis preocupar-vos com o vosso corpo e os vossos haveres mais do que com a vossa alma, para a tornar o melhor possível, dizendo-vos que 'A virtude não vem da riqueza, mas sim a riqueza da virtude, bem como tudo o que é bom para o homem, na vida particular ou pública' " — Platão (séc. V-IV a. C.), Apologia de Sócrates, 30 (trad. de M.H. da Rocha Pereira, Hélade - Antologia da Cultura Grega). 

 

A visão dos antigos

Estrabão (séc. I a.C. - séc. I d.C.) na sua Geografia, II,5, dizia:

 

"Devo começar pela Europa, porquanto tem formas variadas  e é dotada de uma admirável natureza pelo que toca à excelência dos homens e da administração pública, e o continente que maior contributo deu aos outros com os seus bens próprios". (trad. de M.H.da Rocha Pereira, Hélade - Antologia da Cultura Grega)

 

 

 

Luís Sepúlveda, As Rosas de Atacama, Porto Editora, Outubro de 2011, 142 páginas (há uma edição de 2001 da Editorial ASA).

 

Pequenos textos de grande beleza, onde, como se lê na contracapa, se pretende dar voz aos "marginais", àqueles de quem ninguém fala. Aliás, o autor explica como nasceu a ideia: de uma frase gravada numa pedra que viu no campo de concentração de Bergen Belsen, na Alemanha, e que dizia "Eu estive aqui e ninguém contará a minha história".

 

No seu deambular de "marginal", conta histórias marginais, factos que ficaram gravados na sua memória, de pessoas excepcionais, ainda que não conhecidas pela História. Percorre vários países europeus e fala de pessoas comuns que conheceu e das suas vivências de luta contra a injustiça: na Polónia, nas vítimas do nazismo, no sofrimento do povo das Astúrias, um exemplo para todos os refugiados, do maio de 68 em Paris; percorre a América Latina, manifesta-se na defesa da Patagónia, sofre com os que lutaram contra Pinochet, etc.

 

Pequenas histórias de grande sensibilidade e beleza, como aquela que dá o título ao livro, relatando uma viagem pelo deserto de Atacama, onde entendeu "porque é que a pele dos habitantes de Atacama se mostra prematuramente envelhecida, marcada por sulcos deixados pelo sol e pelos ventos impregnados de salitre" e onde dormiu, acompanhado pelo seu amigo Fredy, naquele dia 31 de Março e, ao acordar, viu "que o deserto estava vermelho, intensamente vermelho, coberto de pequenas flores cor de sangue"

" — Ali as tens. As rosas do deserto, as rosas de Atacama". 

A crise do livro, o predomínio do audio-visual é um problema de há muito discutido, tal como a crise de valores. 

Vergílio Ferreira, no seu tom crítico, contundente, analisava-o assim:

 

Dobram os sinos pela morte do livro. E esse dobre ouve-se por todo o mundo. São múltiplas as razões desse triste acontecimento. Mas na base de todas elas está a preguiça. Não é bem um problema do tempo que um livro leva a ler, porque o tempo gasto em frente da TV dava perfeitamente  para o tempo de ler. Só que a TV e todos os meios audio-visuais apela para a nossa passividade. Na leitura há o que vem do livro e o que tem de ir em energia do leitor — memória retentiva, imaginação, atenção. De todo o modo os livros continuam a vender-se, desde as livrarias paroquiais ou de bairro às supercivilizadas dos hiper-mercados. E isto vai perdurar enquanto a cultura for um sinal de distinção e as bibliotecas privativas forem um sinal desse sinal. Porque comprar não implica o ler, excepto talvez os títulos e o de que tratam e vem na contra-capa. E é pela razão desse sinal de elitismo que se continua a ir aos concertos, quando há discos em casa ou transmissões na TV. Porque se não lê? Há um pequeno empecilho na lógica do audio-visual e é que o cinema também está a fechar as portas. Temos pois que a luta do audio-visual não é decisiva. Haverá assim outra razão que talvez se possa arranjar com eficácia. E a razão pode ser a de que já nada interessa do que deveria interessar. A "história" ou "estória" só pode funcionar a um nível infra-mental — e para isso é que existem as telenovelas. Mas acima disso quem é que vai achar que vale a pena? O escritor ideal é o que se equilibra entre o telenovelesco e o que se excede. Mas é fundamental que o não televisivo não abuse para se poderem passar as folhas desse abuso. Assim a crise do livro que merece sê-lo é ainda e sempre a crise de valores. Os grandes êxitos comerciais de romances para analfabetos são os que fazem largas concessões ao analfabetismo. Se o autor torna mais escassa a concessão, o analfabeto para as grandes tiragens fecha a bolsa. Não, não. O problema é realmente complexo com muitas entradas para essa complexidade. Mas se temos pressa para entender, entendamos que nada vale a pena. E aí cabe tudo o que se refere ao livro, ao cinema, às artes e já agora à filosofia que é um saber de estirpe. E se a morte dos valores te contende com os nervos, toma um calmante.

 

Escrever, Bertrand Editores, 2001.

 

"A Europa está no fim porque esgotou o seu reservatório de mitos. A América sobrepõe-se-lhe porque nunca os teve — ou teve apenas o mito de si própria, identificado com a eficácia pragmática. O que nos dá assim a consumir é pura exterioridade e imediatismo. Assim dançamos o rock sobre a nossa sepultura. A arte europeia desde há um século realizou-se na progressiva negação — até a negação de si mesma. A América conheceu-a e adoptou-a na pintura de um Pollock ou Tobey. Mas a essa mesma pô-la de parte para dar lugar a um Warhol, Jasper Jonhs, Rauschenberg e a outros que pela sua arte nos disseram por fim que a arte não existia. A Meca da cultura não é mais Paris ou Berlim, mas Nova Iorque. Simplesmente o ponto de partida não estava lá porque foi daqui. A América não deixou de ser o que era e a filosofia pragmática hoje vigente, nasceu lá há um século. A América é o que foi sempre, nós é que mudámos no nosso esgotamento. E é com a noite europeia que é visível o fósforo americano. Sempre a exterioridade na Europa foi uma sedução. Mas ela era o lado morno ou irresponsável, sendo a interioridade o lado responsável e respeitável. Mas quando este emudeceu teve o outro a sua oportunidade. E foi então que a América foi uma fiança visível. Nós assinalamos o espaço entre as duas guerras como o final do esgotamento. Mas isso é sobretudo assinalar com marcos de ferro uma desertificação que vinha de longe."

 

Vergílio Ferreira, Escrever, Bertrand Editora, 2001 (já depois da morte do autor).

 

A. G. Roemmers, O Regresso do Jovem Príncipe, lua de papel, Outubro de 2011, 126 páginas.

 

O autor traz de novo à terra, neste século XXI, o Principezinho de Antoine de Saint-Exupéry, agora um jovem adolescente, cheio de dúvidas e de questões, que procura entender o mundo e o caminho para a felicidade.

 

A obra tem um prefácio de um familiar de Saint-Exupéry, Bruno d'Agay, que afirma: "Este livro faz-nos recordar tudo aquilo que convém não esquecermos: o amor, a fraternidade, a educação, a família, os valores que são o cimento das sociedades civilizadas e humanas"

 

Um livro cheio de poesia e encanto. Um bálsamo neste mundo desordenado e cruel. Na sua simplicidade e inocência, indica-nos caminhos, faz-nos pensar naquilo que é verdadeiramente importante e necessário para viver feliz.

Através da magia e do regresso ao mundo fantástico dos príncipes que caem do céu, apresenta verdades universais e dá uma verdadeira lição de vida, incitando a um regresso à pureza da infância.

 

" Por vezes as pessoas são como ostras. Tudo o que temos de fazer é esperar que nos deem a pérola que têm dentro de si."

 

"Por vezes, sem nos apercebermos, nós, adultos, brincamos com os sentimentos mais profundos de uma criança e destruímos coisas muito mais valiosas do que tudo o que elas poderiam partir sozinhas."

 

"Desconfia daqueles que te despedaçam os sonhos com a desculpa de estarem a fazer-te um favor, porque geralmente não têm nada para oferecer em troca!"

 

"A minha experiência é todo o tempo que tive para cometer erros e a capacidade que tive de os ultrapassar.

 

— O autor, Alejandro Guillermo Roemmers, nasceu em Buenos Aires em 1958 e, como se lê na capa, tem "uma vocação muito profunda, a de dedicar todos os seus esforços a trabalhar para um mundo melhor."

 

 

 

A atualidade da poesia:

 

Quando alguém passa da pobreza à riqueza e alcança

um cargo público, nunca mais se lembra do que era dantes.

Renega as anteriores amizades e, insensato,

não conhece os caprichos da inconstante Fortuna.

Foste outrora um mendigo, mas tu, que pedias esmola,

recusas-te agora a dá-la aos outros. Meu amigo, tudo

o que pertence aos homens é fugaz. Se não acreditas, irás

pedir esmola outra vez e serás tu próprio testemunha.

 

Agátias, o Escolástico (Constantinopla, séc.VI) - Antologia Palatina, 66 (trad. de Albano Martins, Edições ASA, 2001).

 

Os grandes clássicos, sempre atuais:

 

" Nas grandes empresas, é difícil agradar a todos."

 

Sólon, ateniense, grande legislador, séc. VI a.C.

in Antologia da Poesia Grega Clássica, trad. e notas de Albano Martins, Portugália Editora, 22010.

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