Continuando a leitura de "A Queda de um Anjo" de Camilo Castelo Branco.
Por fins de Janeiro, chegou Benevides de Barbuda a Lisboa, e alugou casa no bairro de Alfama, por lhe terem dito que, naquela porção de Lisboa antiga, a cada esquina havia um monumento à espera de arqueólogo competente.
Ao cabo de três dias, Calisto mudou-se para rua mais limpa, supondo que os lamaçais de Alfama haviam tragado os monumentos, lamaçais em que ele desastradamente escorregara, e donde saíra mal-limpo, e assoviado por marujos e colarejas, seus vizinhos mais chegados. Mau agouro! A primeira quimera de Calisto, seu tanto ou quanto científica, atascara-se na lama daquela parte de Lisboa, que devia ser a ínclita Ulissea de Luís de Camões!
O deputado, sem embargo de ir habitar o quarto andar de uma casa lavada de ares e muito desafogada na rua da Procissão, quis-lhe parecer que a atmosfera da capital não cheirava bem.
Abriu um dos seus livros velhos, intitulado Do Sítio de Lisboa, etc., por Luís Mendes de Vasconcelos, e leu:
“... E assim, de todo o território de Lisboa, parece que da terra, fontes e rios respiram suavíssimos vapores, amigos da natureza humana; porque é coisa certíssima que a benignidade dos ares deste sítio não é por natureza deleitosa, pelo seu temperamento, mas de grandíssimo proveito para algumas doenças...”
Calisto Eloi fechou o livro, e disse de si para consigo, tomando uma vez de rapé:
— O meu clássico não podia mentir. Este mau cheiro é desconcerto da minha membrana pituitária...
E alcatroou segunda vez as ventas com uma pitada desinfectante.